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Mensagens

A mostrar mensagens de janeiro, 2012

sobre aquele sítio onde levam as pessoas a ver os aviões

o centro do mundo é bem capaz de estar geograficamente lá naquela zona meio esquisita cheia de níquel e coisas que tal. nunca ninguém lá foi, tirando o júlio verne em imaginação, mas a minha ideia é que o centro do mundo deve ser qualquer coisa assemelhada de uma pilha. é melhor nunca o deixarem destapado ao sol, porque eu já fiz isso com pilhas das outras e garanto-vos que é coisa que baba. fora do geográfico, tenho a certeza que o centro do mundo está nos aeroportos. nos vários. é um centro descentrado que se descentra tão harmoniosamente que chega a parecer estar centrado. nenhum outro lugar brinda de forma tão fugaz o cruzamento de gente que chega com gente que parte. nenhum outro lugar tem gente a chorar de alegria no andar de baixo enquanto outros choram de tristeza no lugar de cima. nenhum outro lugar representa tão bem este formigueiro arraçado de colmeia, onde os seres humanos brincam ao toca e foge, às verdades, às consequências, aos beijos de ocasião e à ocasião do beijo.

colchões de água

os colchões de água são tipos perigosos. não só porque correm o risco de inundar o chão de um quarto se alguma coisa correr mal, como porque funcionam à laia de sensação desconhecida. pelo menos da primeira vez. sentar ou deitar num colchão de água é igual ao momento em que as nossas pernas entram numas escadas rolantes desligadas e sentem a insegurança de algo que não está no sítio certo. o corpo questiona-se, os sensores da rotina tremem de medo e a estranheza paira durante os curtos segundos que antecedem a habituação. quem tem o hábito de saltar para cima (dos colchões, não das escadas rolantes, mas que raio de tara é essa?) deles pode sentir ainda mais na pele o choque da pele com o bailado da água que vive dentro do colchão. depois habitua-se. depois é bom. depois é diferente. a vida, como não podia deixar de ser, adora imitar colchões. de água e dos outros. os corpos estão por demais habituados a fazer os mesmos caminhos, a conhecer as mesmas pessoas, a dormir no conforto dos c

o encanto perdido dos sítios eles próprios esquecidos

os sítios aparentemente perdidos guardam segredos que não polvilham sob a forma de tinta qualquer mapa de tesouro. os sítios achados têm muitas vezes algo de fantástico para visitar. algo de extremamente belo. algo que faz milhões, biliões, triliões de almas deslocar-se no passo rápido do viajante de ocasião para planar sobre essa beleza contada. e assim se chega, se vê e se parte. a visita a esses lugares tem a tónica daqueles vôos de treino, em que o avião faz a aproximação à pista, toca ao de leve no asfalto, sentindo o cheiro da terra como se de uma borrifadela de perfume se tratasse, e logo deriva o ângulo para subir na direcção de outras luas. esse toca-e-foge permanente marca o nosso dia-a-dia, o nosso noite-a-noite, e até muita da nossa fuga ao dia-a-dia, quando visitamos alguns desses lugares. os sítios perdidos não têm essa ambição de corresponder a qualquer expectativa. os sítios perdidos, vendidos como fora de mão, entrecruzados em rotas de decadência, deixam-se ficar. sã

muitas florestas para poucas árvores

querer ser demasiado abrangente num tema é perigoso e indelicado. sempre achei que essa é das falhas mais frequentes em hollywood. todos sentados numa reunião de brainstorming (sempre me perguntei se brainstorming envolverá pedras de gelo a cair e raios no céu, mas talvez tenha pouca importância aqui para o texto, oh well...) de um qualquer grande estúdio. ideias. precisam de ideias para um novo filme. alguma alma pseudo-brilhante sugere fazer um filme sobre mulheres. todos pegam naquela folha padrão, polvilhada de fill-in-the-blankets (na verdade é "fill-in-the-blanks" mas eu sou mais a favor de entrar para dentro de cobertores que de espaços em branco. chamem-me maniento), e decidem fazer mais uma repetição da mesma história envolvendo mulheres, relações, mulheres, ralações, sexo, pseudo-sexo, sexo implícito, glamour, choro e riso. com isto tentam abranger a complexidade que envolve "a" mulher, achando que isso se pode minimalizar a noventa singelos minutos. err

a vida e os buracos de várias cores

a minha paixão por astronomia desde tenra idade (tão tenra como uma posta mirandesa) levou-me a desde muito cedo achar apaixonante o conceito tenebroso do buraco negro, que suga toda a matéria e de onde nada pode escapar. mas mais fascinante ainda a deliciosa possiblidade dos buracos brancos, hipotéticos espelhos dos buracos negros, lugares onde nenhuma matéria pode entrar mas de onde toda a matéria pode sair. a teoria diz ainda que isto possibilita de facto que alguém entre num buraco negro e seja transportado para um buraco branco, aleatório, noutro ponto qualquer do universo instantaneamente. e estamos a falar em viajar para outro lugar e/ou tempo. os velhos do restelo, combatentes do sonho, mesmo que astrofísicos, respondem a isto com “sim, mas a desintegração das moléculas durante a viagem jamais permitiria que um ser vivo sobrevivesse a esta forma de teletransporte”. deve ser gente muito enfadonha, esta. que não acredita em viagens no tempo e no espaço. os antepassados destes am

as três dimensões. mais a quarta que ninguém percebe muito bem.

sempre tive para mim que o micro-cosmos e o macro-cosmos não se entendem muito bem. e nós, pessoas cheias de mania que tudo sabemos e que tudo descobrimos, sempre pouco cientes de que não sabemos nada e que descobrimos muito pouco, inventámos formas de, pelo menos, conseguir destapar ligeiramente o véu a ambos. nas costas do microscópio largámos toda a responsabilidade de olhar para o que é infinitamente pequeno. não lidamos é bem com o conceito de infinito, portanto, quando os globos oculares se aproximam das lentes, vêem o retrato, isso sim, do que é finito e pequeno. o telescópio, por sua vez, foi inventado para olhar para as estrelas. para cima, para baixo, para os lados, mas para as estrelas. e também para os planetas, mas esses são restos de estrelas, parentes próximos. lamento desiludir todos os voyeurs que os usam para observar as vizinhas do bairro a trocar de roupa ao lusco-fusco, mas de facto foram pensados para ver para lá da atmosfera. na sua grande maioria este pensame

até os pássaros brincam no meio da neve

o céu azul eléctrico. aquele céu que não se decide entre o branco e o preto. cinzento-escuro não é para ele de certeza, também. quer anunciar. quer uma cor que chame. que avise que o que vem aí é para ser visto. o céu podia pagar um anúncio na televisão ou no jornal. mas em vez disso pinta-se de azul eléctrico. abaixo dele, na sua azáfama, milhares de cabeças rodam, apontando os olhos para cima, deixando de apenas olhar, para passar a ver. depois, a pouco e pouco, sentem. o azul eléctrico a viajar. o pó dourado que o envolve a migrar muito lentamente, naquela marcha em que quente e frio se misturam, num abraço de lã e pele. o céu sorri. conseguiu a atenção que queria. agora sim, estão todos atentos, o espectáculo pode começar. não, não há tempo sequer para sete pancadinhas, vamos já começar que se faz tarde. a agenda do céu é ocupada. não se pode prender a inutilidades. abrem-se os canhões. festejam os soldados. a neve cai. desce em piruetas do etéreo ao presente. usa escorregas pe

dono de pedaços de céu

hoje acordei com vontade de devorar o mundo à dentada. contemplar prados durante horas, pegar em montanhas com o toque gentil de duas mãos, elevar árvores à boca tapando a cortina de sol que alumia o dia e finalmente poder deixar fluir mundo pelos cantos dos lábios e pelos cantos das línguas, num festival de amor entre papilas gustativas e concentrados de natureza. esta vontade encaixa no universo como duas peças de puzzle. daqueles para dois aos quatro anos. tão evidentes que não há como não conseguir fazê-los. dizem dois aos quatro anos, mas hão-de experimentar pôr a caixa do puzzle dentro do útero de gestação e vão ver se quando a criança nasce o puzzle não vem logo impecável. "nasceu, é um menino lindo de três quilogramas e duzentos gramas. e traz a torre eiffel já feita. não se enganou nas peças do puzzle que fazem o céu nem nada. que apgar extraordinário." o céu é sempre difícil nos puzzles. a tendência é dizer que as peças são todas azuis e iguais. desafio-vos a olha

as fábricas das coisas

lembro-me como se fosse hoje de como os meus olhos irradiavam alegria quando, sendo ainda uma amostra de gente, estava a ler um livro do petzi em que ele vai ao pólo norte e descobre que as auroras boreais são feitas rodando uma manivela. claro que é muito difícil chegar à sala onde são feitas as auroras boreais. está no topo de uma montanha, fechada ainda a mais do que sete chaves, e guardada pelo seu proprietário privado, o rei do pólo norte. se é verdade que o tempo passou por mim, não passou contudo pelos meus olhos, que continuam a irradiar da mesma forma quando trabalham em solidariedade com a minha imaginação e se perdem de mãos dadas na construção de argumentos que expliquem o porquê das coisas. nunca fui de engolir a teoria de que as coisas são o que são porque sim. 'porque sim' nunca me pareceu resposta para nada. se tudo fosse 'porque sim' não havia lugar à imaginação. era uma espécie de sanatório privado da mente, impartilhável de tão louco. procurar as ro

vamos falar do tempo?

os dias de chuva e frio têm o condão de ir buscar o mais uterino que existe em cada um de nós. é romântico (e nalguns casos sincero) dizer que adoramos correr à chuva, saltar de poça em poça ou amar a e na natureza. mas esse ideal cinematico-fantasioso é bonito com chuva tropical. com nuvens a rodopiar elecricidade e palmeiras em fúria. sabe o nosso corpo que umas horas depois tudo seca e o ciclo da vida vai-se repetir sem parar. quando falamos de chuva fria, que o vento arrasta pelos colarinhos, a brincadeira já não é tão inocente. raramente se associa a prazer. gera dias incómodos, em que ou assumimos a molha ou perdemos a capacidade de resistir e acabamos por ceder a mil engenhos de combate à chuva, que mais nos fazem parecer soldados, em pleno campo de guerra contra a força sobrenatural da natureza. voltamos feridos da batalha, com varetas saídas de tecidos, casacos encharcados, calças com um degradé inesperado de ganga escura e ganga clara e calçado com ar de ter passado o dia n

o contraste não é só um botão no comando da televisão .

as estações do ano são meras brincadeiras de calendário. tal como os dias, os meses ou as horas, são meras convenções usadas com o mesmo fundamento com que se usa um cão para orientar um rebanho. o rebanho precisa de referências. não se questiona se precisa, mas dizem-lhe que precisa, ponto final. parágrafo. parágrafo o tanas, que eu não obedeço a ordens. agora sim. mais do que a data no calendário, ou do que a coluna de mercúrio por trás do vidro, a natureza corrige essas megalomanias humanas da sistematização com a sua própria vontade. adora brincar ao extremo calor no outono ou à chuva durante dias a fio no verão. ri-se a ver o boletim meteorológico e a contrariá-lo. cai do sofá de regozijo quando vê seres vivos tirarem três semanas destinadas a areia e água salgada, por saber que lhes vai trocar as voltas, oferecendo-lhes afinal três semanas de programas manhosos na televisão e refreshes contínuos nas redes sociais, apenas feitos num apartamento mais junto ao mar do que o habitual

por entre as gotas da água da chuva correm os fotões que iluminam o sentir .

(picture by anuar patjane)

a frustração, o pai natal e os triciclos que se transformam em bicicletas

de vez em quando dou por mim a parar para pensar sobre determinados sentimentos humanos. depois lembro-me que devo utilizar antes os minutos das horas dos dias para correr no parque, ler ou ir dar banho ao cão, esse cão que é a vida. mas o fim do dia chega. e volto à estaca zero em relação ao sentimento, que ficou à espera de ser pensado, como se fosse um amontoado de folhas no canto do mesa, debaixo de um post-it amarelo a gritar 'urgente!'. chegado à estaca zero (e é bom as estacas ainda servirem para algo mais útil do que apenas subtrair a vida a vampiros) o processo desenvolve-se do modo pouco organizado que seria de esperar. hoje preocupou-me a frustração. porque é que sentimos frustração. em que medida a frustração é directamente proporcional à expectativa. creio que a frustração não nos acompanha desde o momento zero. não há memórias escritas de crianças com menos de três anos, mas acredito que nessa fase as respostas sejam essencialmente viscerais. emocionais. viscero-

não concordo a 100% mas anda numa percentagem lá perto

acho o texto delicioso. só não subscrevo na totalidade por alguns pormenores. nomeadamente há ler e ler, ainda mais do que há mar e mar. o fim é particularmente delicioso e está tatuado no meu coração :) " Date a girl who reads. Date a girl who spends her money on books instead of clothes. She has problems with closet space because she has too many books. Date a girl who has a list of books she wants to read, who has had a library card since she was twelve. Find a girl who reads. You’ll know that she does because she will always have an unread book in her bag.She’s the one lovingly looking over the shelves in the bookstore, the one who quietly cries out when she finds the book she wants. You see the weird chick sniffing the pages of an old book in a second hand book shop? That’s the reader. They can never resist smelling the pages, especially when they are yellow. She’s the girl reading while waiting in that coffee shop down the street. If you take a peek at her mug, the non-da

stay off your windows, go to the basement.

os fenómenos da natureza e os fenómenos da criação estão tão bem ligados entre si como o queijo parmesão quando derrete no meio da massa acabada de sair do forno. nesta esfera toscamente esculpida varia a intensidade ou o foco desse conglomerado. na minha terra de sempre entretia-me a ver um feijão dar origem a um feijoeiro numa simples bola de algodão, sedenta de água para fazer crescer o seu protegido rebento. aqui a natureza tem um modo elegantemente violento de brincar à criação. a ferocidade do que estou a ver pela janela faz-me pensar que estou a observar o momento da origem do mundo e da vida, e nem sequer tenho de pagar bilhete. por entre as sirenes contínuas, os sons do gelo a bater com violência nas janelas (até este ironicamente a ver a sua queda fora de época) e o vento que ameaça árvores resistentes a tantos anos de tantas outras coisas, fico no meu canto a pensar como isto é belo e essencial. o riso e o choro parecem combinar-se num só, sob a forma de tempestade. se o

agá dois oooooh

adorava assistir à consulta de psicanálise de uma gota de água. ninguém dá muito valor aos blocos dessa coisa sem cor ou cheiro que faz tanto parte da nossa vida que até faz parte de nós. e está em maioria. daquelas que dá para mudar a constituição e tudo. sim, a água tem a capacidade de mudar a nossa constituição, sem sequer precisar de assinatura do presidente da república. claro que a falta de cor e de cheiro são rapidamente contornados pela nossa inexorável capacidade de destruir tudo aquilo que criamos, mas sobretudo aquilo que já cá estava antes de nós próprios estarmos criados. a nossa luta com a água é milenar. agora estamos particularmente aptos a dar-lhe sabores e cores. do ponto de vista comercial nunca percebi muito bem uma água com sabor. sabe sempre a garrafa de sumo lavada à pressa com água. nem é sumo nem é água. mas quem sou eu para me perder nos caminhos do marketing? prendo-me, isso sim, com a curiosidade de imaginar o id, ego e super-ego de uma gota de água. est

o fabuloso mundo da parte de trás

aposta-se tudo na fachada. nas casas, como na vida, quem tenha de se decidir a decorar com pompa e circunstância uma das faces do cubo (ou cubo alargado), pensa sempre no sítio por onde as pessoas vão entrar, ou para onde vão olhar de relance quando por ali andarem. usam colunas, batentes dourados, tintas caras, nalguns lados até seres humanos com ar de capitão reformado da marinha ali pontificam para embelezar o cenário. adoro a mística da parte de trás de um prédio ou vivenda. é onde se desiste da decoração mas mora a honestidade do ser. entre relvas mal cortadas e plantas exoticamente deixadas ao acaso vivem-se os momentos da infância e ouve-se o grito de que é hora de ir jantar ou tomar banho. ali, escondido do mundo, escondido de tudo, é possível sonhar, entre um joelho que fica preto da terra ou aquela comichão da comunhão com a natureza, em que uma formiga insiste em trepar pela pele acima. também nos blocos de betão isto mantém validade. por exemplo com o parque de estaciona

falavam na rádio

ouvia-os ao longe. os mercados estavam numa espécie de pânico. tinha caído um por cento de qualquer coisa que não percebi bem o quê. magotes de gente enchia ruas e queimava lojas e carros. almas perdiam-se em sobressalto e os meus olhos não ouviam bem a explicação. fechei-os e deixei-me voar. seguir aquela linha branca que o avião deixa no céu e mergulhar na natureza de blocos de nuvens em explosão feroz. lembro-me que nadei com os raios e me esfoliei com blocos de gelo enquanto via os unicórnios em modo selvagem a correr à minha volta. assentei o tapete onde repousava e sorri para a lua, que se mostrava lá para cima dos choques de neutrões com beijos de lábios fechados. por fim saltei para o abismo do cheiro a canela que a terra tem quando chove, e corri pelo meio da tempestade até perder a noção do molhado. quando os pensamentos estão quentes como uma baguete acabada de sair do forno não há chuva ou gelo que os consiga infectar de mal-estar. dei mais uma ou duas voltas pelas redon

rodelas de gengibre com um toque de pó de estrelas

na fronteira do infinito não serve de nada ter visto ou passaporte. os guardas são outros. em vez de fardas vestem vestidos pretos, perigosamente decotados, e trocam botas engraxadas por saltos altos de cores garridas, que não são mais do que portais da extremidade da perfeita arquitectura que se segue. por mais que esperem por carimbos eles não chegam sob a forma de tinta. imprimem-se através da pele, tatuando partes específicas do coração ou entranham-se em sabores frutados de línguas que brincam ao jogo da serpente manhosa. à volta há édens. daqueles que, em vez de macieiras e casais puros nus, têm serpentes já com anos e anos de maçãs comidas, preocupando-se com a dose de carvão que enche os fornos que adornam as paredes do éden, e não com a conversão dos inconversíveis. vê-se uma luz que ninguém percebe bem se é clara ou escura, porque os olhos estão maioritariamente fechados. quem sabe ver sem ter de separar as pestanas, delicia-se a contemplar com as mãos, a decifrar com a fac

que manchete gostava de ver amanhã nos jornais ?

o doce tango entre o hemisfério esquerdo e o direito

anos e anos de evolução do ser humano no planeta terra (boa, começo por cometer o triplo erro de cair na nossa típica fraqueza de necessitar da dimensão tempo, espaço e massa para não sentir a vertigem do desconhecido) levaram-nos a desenvolver aquilo que é geralmente considerado como o sistema nervoso mais diferenciado da escala animal. basicamente sabemos que temos uma linha de raciocínio (bom, talvez com excepção do futre nos finais de tarde de alguns dias) e achamos que a capacidade de pensar de modo complexo nos coloca no trono do reino animal. o leão bem pode achar que é o rei da selva, que o do planeta está há muito definido. não sei há quanto tempo nos separámos realmente do macaco, e deixámos a nobre arte de grafitar paredes de cavernas de borla e por misticismo para a trocar pelo uso de pincéis, telas e casas de leilões que vivem da continuidade do que foram bois desenhados em grutas. se pego neste ponto sensível é porque o recurso à pretensa pre-história (pretensa porque já

ode à loucura e ao desvio

adoro as convenções. a bem ver odeio-as. mas como adoro a ironia apeteceu-me começar o meu texto com uma ironia. gosto tanto da ironia. mas sobretudo de quando alguém não a entende e eu repito a minha piada parva (poderei eu chamar a isso uma piarva?) de que "irony" não é só um relógio da swatch. acabo de fazer publicidade e agradeço que a famosa marca suíça me transfira o respectivo valor para a conta. obrigado. pondo alguma ordem (ou será desordem?) no que quero escrever, é magnífico como noventa e nove vírgula nove nove nove nove por cento da mole que habita este planeta encarrila em organizar em gavetas perfeitinhas o caos próprio do pensamento e da personalidade, na mesma mania mecanística e maquinística das carruagens de ferro que encarrilam no sítio devido quando atravessam países e países. por definição de normalidade entende-se aquilo que a maior parte da multidão é. os loucos são obviamente diferentes. mas o curioso é que os diferentes também contam como loucos. o

parabéns a 'nocês'

o oranginalidade tem o prazer de comemorar hoje precisamente oito anos. oito anos em que tanto se passou que é engraçado perceber como este blog cresceu comigo. como forma de comemoração, em jeito de expansão, os posts passarão a ser publicados paralelamente numa página de facebook. com altos e baixos de intensidade de publicação, mantenho-me fiel à prerrogativa que me levou a começar a escrevê-lo a 11 de janeiro de 2004, trazer-vos, o mais possível, laivos de cor e originalidade ao mundo cinzento e padronizado para onde tantas vezes nos parecemos encaminhar. a todos!

a toupeira-com-asas

um dia sentei-me num precipício cujo fundo era o centro da terra ou ainda mais longe do que isso. apenas para contemplar o tipo de criaturas que conseguem ir e vir entre as várias camadas da terra, sem ter de comprar bilhete em nenhum comboio ou arranjar asa-delta de aluguer. percebi que o ser mais sortudo de todos era a toupeira-com-asas. a toupeira-com-asas tem múltiplas qualidades. consegue voar, o que lhe permite correr vales e montes e mais vales e descer por precipícios e voltar com algum prémio guardado entre os dentes. ao mesmo tempo a toupeira-com-asas pode a qualquer momento mergulhar na terra e ir furando caminhos até onde bem lhe apetecer. deve usar isto muito mais para fugir ao trânsito do que para roubar cenouras a agricultores, não sei de onde lhe vem a má fama. embora a toupeira-com-asas não seja bela, não há bela sem senão. pus-me a pensar quão estranho seria uma toupeira com asas chamada toupeira-com-asas ter a mania de que é tão superior só porque pode a qualquer

a dança da sedução

a natureza tem caminhos próprios para mostrar ao mundo que sedução não é mais do que a definição universal de algo que chama. penso em corpos que dançam com a sensualidade das formas cruzadas com luzes de muitos pontos do arco-íris, folgados em suor de movimento e ritmados com a força dos graves, que desperta o mais circadiano que há em cada molécula de um ser vivo. anos e anos de sedução espontânea, visceralmente inventada a partir da tentativa/erro, em tácticas de quem convence uma presa a ser caçada, desconcentrando-se por se concentrar num ponto único e baixando todas as guardas, enroscando-se em vulnerabilidade. os cantos das sereias. os encantos das serpentes. as vontades. os repentes. tudo isto tem marcas em genes. vai passando de modo silencioso, umas vez apura-se, outras depura-se, mas o importante é que há genes em que ninguém toca e a sedução tem a perserverança do carbono quatorze. depois paro junto ao jardim do lusco-fusco para perder o olhar em dois esquilos que brincam,

deuses que te tiram da cama

mesmo um niilista sabe que é bem verdade que há deuses com capacidades poderosas. eu conheço alguns e tenho provas bem mais fortes disso do que se tivesse imagens divinas a aparecer-me numa torrada do pequeno-almoço. adoro sobretudo algumas espécies particulares de deuses. daqueles que, em vez de andarem a brincar às tempestades, sentados em nuvens de algodão solto, preferem aninhar-se em ombros e braços, e braços e ombros, e por aí fora. esses são deuses muito mais determinados. escalpelizam a pele onde nem tem escalpe, porque querem resguardar-se no prazer de um cheiro próprio, de uma cor torrada, em zonas de fronteira da dor com o prazer. falando com estes deuses, eles respondem-me quase sempre com um sorriso. aquele sorriso da inocência forjada de um querubim, da malícia benevolente de quem sabe que se o prazer é pecado, então o pecado é sinónimo de luz, porque treva não é de certeza. vou continuar a visitar os deuses. são deuses com muita força. uma força que até me tira da cam